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terça-feira, 4 de julho de 2017

Grão a Grão, havemos de chegar a Tróia!

Já passou algum tempo, eu sei, custou a desmoer este empeno, a Ultra Melides-Troia, era mesmo como me tinham dito, dai só agora ter "paciência" para voltar a falar nela.

06.00h da manhã, toca o despertador, lá fora estava um dia cinzento, frio, durante a noite tinha acordado com o barulho da chuva que caia, mas que diabo, estes gajos diziam que iam estar 40°C, agora está um dia de Outono, sai de Évora  dois dias antes, preparado para um calor abrasador, de manga cava e calção, no dia da prova, na partida, á minha volta, a maioria equipava de corta vento, pensei que estava a começar com o pé esquerdo, mas a corrida é mesmo isto.

09.00h da manhã, toca uma corneta, nem há contagem decrescente, comecei a correr de mochila numa mão e MP3 na outra, lá me organizei, a maioria ruma no sentido da água na esperança de apanhar a areia menos pesada, o meu instinto enviou-me na direção das dunas, tinha medo de molhar os pés, conseguia perceber que existia um rodado de trator até onde a vista alcançava, talvez fosse sinal de uma areia mais compacta, menos pesada, por ali decidi que ia ser o meu caminho.

Era o primeiro das dunas, não levava ninguém a minha frente, olhava para trás e percebia que não seria assim tão descabido correr ali, pois eram bastantes os atletas que seguiam atrás de mim, olhava para a esquerda e percebia que o ritmo era igual ao de quem corria mesmo junto a água.

Objectivo número 1, cumprir os 43km sempre a correr, sem paragens, divididos em 3 etapas, km14, km28 e voar até a meta, dividir a prova em três fazia-me esquecer os 43km de uma acentada só, olhava para Tróia, já se avistava, desde o primeiro passo de corrida, mas sempre no mesmo sítio, nunca mais perto, o km14 teimava em não aparecer, não sabia quanto tempo levava, nem que distância percorrida tinha, só sabia que as pernas estavam transformadas em duas vigas prestes a partir, antes do km14 uma espécie de cãibras, choques, fadiga muscular, era impossível, sentia-me tão bem que não queria acreditar, mantive o ritmo, aí está ele km14, uma água rápido rápido, sem parar e siga, hora de comer, uma barra, um gel, faltam 14km para a próxima meta, a coisa corria muito muito bem, os atletas estavam perdidos uns dos outros por várias centenas de metros, há muito que não via o grupo da frente, mas há muito também que não via a cauda da prova.

Um velho "além", cuidado, não vás no encalço dele, normalmente a experiência leva a melhor sobre os novos, ele ora andava ora corria, percebi claramente que sabia o que ia a fazer, demorei bastante até o alcançar, mas percebi que era seguro continuar com ele, perguntou-me que distância tínhamos, não sabia, mas eu presumia que levavamos aí uns 25km, ele afirmou que era possível, pois íamos com 3.10h de prova, ui, o que é que você me foi dizer, aí deitei a toalha ao chão, contava com menos 40 minutos  percorridos, a Comporta, km28, estava lá a minha mulher, á chuva coitada, deu-me ânimo, disse que estava a correr bem, respondi-lhe em tom irónico "despachate daqui a uma hora estou lá" sabendo perfeitamente que no mínimo precisava de mais 1.40h para completar a prova, a seguir á comporta, depois de tanta poupança, chegava a hora de gastar toda a força que tinha poupado, grande sorte, a areia junto a água estava quase direita, decidi então deixar as dunas e correr junto a água, já havia bastantes atletas a começar a caminhar, comprometi-me comigo mesmo de que tinha de passar 10 atletas nos próximos 14km, assim foi, corri até QUASE rebentar, a 8km da meta tive de caminhar, o coração queria salta-me pela boca, o dia negro, virou um dia de calor brutal, conseguia sentir o sol a queimar a pele e o sal a queimar a vista, esqueci-me de comer, o corpo estava a acusar a falta de combustível, decidi comer uma barra e um gel, não me restava grande coisa a não ser chegar ao fim, mas o fim teimava em nunca se aproximar, fui passando atletas, fui dando força, perguntava se estava tudo bem, as caras de alguns mostravam que estavam quase quase a deixar-se vencer pelo calor e pela areia pesada, tentei manter-me concentrado no que ia a fazer, só a minha prova importava e estava a sentir-me tão bem, a meta estava ali, no cruzar da areia, sabia que era lá que estava.

MÚSICA, oiço música, bora, bora, bora, acelera, está no fim, despejo os bidons, tiro todo o peso que posso, vejo o laranja da meta, MAIS UMA ULTRA FEITA!!!

Conseguiste, a ULTRA MARATONA ATLÂNTICA, ESTÁ FEITA, ainda antes da chegada está a minha mulher, disse-me "passaste bueda gente", cheguei de peito cheio 💪💪💪

Meta cruzada, medalha cobrada, a minha mulher apareceu e estragou o meu sonho, quando me disse que o carro estava parado na praia aí a uns dois km's da meta, apeteceu-me chorar, mas já tinha a medalha ao peito, estava na hora de comemorar.

Foi brutalmente duro, brutalmente difícil, brutalmente desgastante, mas foi também BRUTALMENTE ALTAMENTE 😂😂😂

Um conselho para quem queira ir a Ultra Melides-Troia, arranje um psicólogo e não um Personal Trainner, pois sem cabeça, ali, ninguém chega a meta.

#NOSVAMOSLAESTAR





domingo, 14 de maio de 2017

Uma história de FÉ!

Uma história de FÉ!

Lisboa-Fátima 144km.

22.30h e já com o tempo contado está na hora de partir da pala do Pavilhão de Portugal rumo a Fátima numa aventura insana de 144km, não tenho tempo, não tenho promessas, apenas a vontade de chegar e de sentir a sensação de dever cumprido.

A chuva fez-se de convidada e cedo apareceu para abençoar o caminho que se adivinhava algo difícil, os primeiros km's são feitos sob uma estrada de barro, quase virgem, que com a chuva, virou um lamaçal, rapidamente as sapatilhas ganharam bastante peso, o primeiro sinal de que o caminho ia ser duro de percorrer, o material de chuva cedeu, rapidamente a água gelada estava em contacto com a pele, as gotas de chuva cortavam a cara como alfinetes, o caminho ia ser duro, a vontade de chegar iria ser sempre maior!

Estradão sem fim desgastava física e psicologicamente, não havia fim, a seguir a uma curva, surgia um novo estradão, e assim foi por km's, sempre com o Tejo como companhia, alegrava-me e enchia-me a alma, de apoio em apoio encontrar a minha mulher, ela que nunca me deixou abalar sem me dizer, TU ÉS CAPAZ!

Ao km20, mais uma cara conhecida, o amigo Cunha que fez 170km apenas para ir desejar boa sorte e acompanhar parte do percurso, que me alertou para o facto de não fazer grandes paragens de modo a evitar o arrefecimento do corpo numa noite que se sentia gelada, que me relembrava de comer mesmo sem ter fome para que o corpo nunca se sentisse em fraqueza, ver caras conhecidas dá uma força BRUTAL quando mais precisamos.

Km 45, ainda a meio da noite, o corpo já seguia demasiado gelado, o risco de uma hipotermia era real, fui obrigado a trocar de roupa numa paragem rápida, segui mais confortável, próxima barreira a derrubar, SANTARÉM, até lá, sabia que ia ser duro, estradões sem fim ao lado da linha do comboio, onde toda a noite seguiam comboios cheios de gente, na sua maioria rumo a Fátima, acenava-lhes quando passavam, mesmo sabendo que não me viam no escuro da noite, sabia-me bem fazer um "adeus" e pensar que iríamos todos no mesmo sentido.

Km 85, a primeira subida do percurso, a chegada a Santarém, já bem de dia, a subida explicou-me, - João, prepara-te, o caminho vai ficar cada vez mais duro, pedi força nesse momento, ao atravessar Santarém a magia aconteceu, as pessoas desejavam boa viagem, desejavam que Deus nos acompanha-se, parecia que sabiam qual o destino. Ao chegar ao carro de apoio, vejo que o corpo está bastante mal tratado, as dores eram bastantes para a distância que ainda faltava percorrer, as assaduras nas costas e nas virilhas eram graves, podiam levar-me a não conseguir, cremes e pomadas, tudo e muito, o que encontrei, foi o que apliquei, nova muda de roupa e de sapatilhas, saí de Santarém em passo de caminhada na esperança de recuperar um pouco.

Entrando no percurso dos Caminhos do Tejo e dos Caminhos de Santiago, os Marcos milenares indicam-nos o caminho e a distância até ao Santuário, sentimo-nos peregrinos, sentimos a força daquele caminho, só queria chegar a barreira dos 100km's, isso levava-me a pensar que só ficavam a faltar 44, foram 15 km a pensar, a contar em ordem decrescente, os km's cada vez demoravam e custavam mais a passar.

A barreira dos 100km, aqui está ela, fui obrigado a parar, um Marco assinado pelos que por lá passavam carregado de oferendas de todos os tipos, levou-me a pensar, um misto emocional estava a tomar conta de mim, as lágrimas acabaram por cair, estava demasiado cansado fisicamente para conseguir gerir emoções, foi aqui que pensei em vocês, amigos, família, conhecidos, parei, com poucas palavras, orei, pedi força, apenas queria chegar, agarrei na força que me tinha levado até ali, no comprometimento, no crer, segui viajem.

Minde, serra de Minde km128, um monstro para quem trás tantos km's nas pernas, uma serra daquelas de verdade, uma subida íngreme feita em passo de caminhada sentindo as pernas latejante​s e prontas a sucumbir a cada momento, as pedras marcadas por todos os que por lá passaram anteriormente davam ânimo, apenas queria chegar ao cume para poder ver o que me aguardava do outro lado, uma vista BRUTAL, uma descida demolidora!

A meia descida e ao cruzar-me com uns ciclistas, pergunto-lhes se o caminho para Fátima é duro, na esperança de ouvir um "NÃO", respondem-me um "É BRUTAL", não fiquei muito chateado com isso, já vou estando habituado, ralhei comigo, sabia que isso nunca se pergunta, mas enfim, vamos lá então até ao carro de apoio, o dia estava a escurecer novamente, estava a entrar na segunda noite, estava na hora de armar as luzes novamente.

Faltavam 16km, 16km de sofrer, o corpo ia dorido e gelado, as pernas e os pés dormentes, a noite caiu, a Serra era fria, escura, longe de tudo, já ninguém proferia uma palavra, os olhos fechavam, o corpo estava a colapsar, um estado de espírito brutalmente destruído pelo cansaço e pela privação de sono, as lágrimas vinham sem dar por elas, pedia força, muita força, apenas para chegar, era impossível correr, apenas caminhar e apenas devagar, pedia força para chegar lá, só queria chegar lá, não tinha nada a ganhar, mas também não queria perder nada.

No final da serra está o carro de apoio, a 1km do Santuário, "Não consigo mais", estava a dormir em pé, prestes a cair a qualquer momento, eu fico aqui, o corpo desligou, a cabeça não respondeu como devia, valeu a minha MULHER, ela mesmo sem dormir e a fazer um esforço brutal para que nada me faltasse em nenhum km do percurso, ela não desistiu de mim, ela disse "TU ÉS CAPAZ", fez-me levantar, sem saber, carregou comigo uns quantos km's no decorrer de toda esta aventura.

Cheguei ao Santuário de Fátima, 25h horas depois de ter deixado Lisboa, saí com um objectivo, cheguei com uma mentalidade diferente, foi a experiência de uma vida que aqui vos deixo MUITO mal descrita, pois apenas quem por ela passa lhe sabe dar o devido valor.

Amigos, OBRIGADO, a todos pela preocupação no decorrer de toda esta aventura. Vocês foram TODOS comigo no coração!

LISBOA-FATIMA 144KM

#UMAHISTÓRIADEFÉ
#NOSVAMOSLAESTAR










Portugal 281+ Ultramarathon

Bem vindos amigos, á mágica Pt281+ Ultramarathon Sentem-se, confortáveis, vou tentar levar-vos a viajar numa das maiores aventuras qu...